Em setembro de 2013 o Jornal Aweto definiu assim o que naquela época ainda era somente o Ilé Égbè Òmò Ògun-Ósun, “Um paraíso encravado na Serra do Mar”. Era uma reportagem de cobertura da primeira Kukuana da Casa. Apesar do jornalista já conhecer a Casa – o repórter em tela é este que escreve estas letras emocionadas – ficou estupefato com a beleza da noite naquele barracão de madeira retirada da própria floresta. A luz da lua incidindo sobre o lago com sua linda ponte que conduzia à beleza da dança dos deuses da natureza numa comunidade simples e genuflexa diante de toda a exuberância da criação. O canto dos pássaros, o som da floresta intacta, a luz das estrelas, o cheiro da selva em seus perfumes mais encantadores.
Era uma casa de madeira, um altar em homenagem aos ancestrais encantados, filhos de santo com suas roupas brancas e simples, uma sacerdotisa e um sacerdote que logo se notava serem mais que isto. Eram na verdade um pai e uma mãe no sentido literal das palavras. Ali estava realmente um Egbè, no sentido transladado real do termo iorubano, ou seja, uma comunidade, uma família. Ali estava com a mais clara manifestação o lar dos deuses da natureza, com toda sua simplicidade e majestade, um oásis num mundo mal e turbulento, um refúgio para os doloridos de alma e coração, um paraíso onde deuses e homens dançam juntos e comem na mesma mesa.
A reforma mais que necessária em 2015 substituiu os troncos que serviam de parede por alvenaria, mas não o encantamento encravado nas fundações de uma Casa fundada por deuses. Ali ainda brilhavam os olhos de Osun e do ferro reluzente da armadura, do escudo e da espada de Ogum. O prédio ficou maior, mais lindo, mais majestoso. Entretanto a magia pura e soberana dos deuses ainda ali podem ser sentidas. Força contagiadora, que positiva as almas e os espíritos, que acolhem os incautos e dá de beber aos sedentos de cura espiritual.
Os poucos filhos de santo de 2012, quando da Kukuana reportada pelo supracitado jornal, hoje são algumas centenas. Pessoas de todos os rincões que buscam neste pedaço de céu o conforto para seus males e a paz de espírito e que exala das flores e emana do lago sagrado. Buscam na sabedoria e na simplicidades de seus sacerdotes o encanto das divindades antigas a evolução espiritual para conduzir suas vidas com paz e devoção. Aliás, devoção é a palavra que define de maneira cabal a Casa.
Mas nem sempre foi assim. Na verdade tudo começou numa sala de um sobrado na Vila Bocaina, Mauá-SP. O ano era 2004, e esta era a sala de estar da própria residência do casal Solange e Juvenal. Um casal até então normal, com vidas seculares. Ele um caminhoneiro e negociador e ela uma diretora de escola. Levavam suas vidas como uma família de classe média comum. Até que os Orisás e Encantados intervieram em suas vidas pacatas. Afinal, eram iniciados e tinham as suas responsabilidades sacerdotais. Assim, por força divina começaram a “atender” em sua sala. E é claro, quando a vontade não é nossa e sim de deuses e seus encantados, a suma se torna evidente. Ou seja, a sala ficou pequena. Foi quando em 2006 partiram para outro lugar, Parque Primavera, Rua das Azaleias, 73, também em Mauá. Lugar maior, com um bom salão, onde podiam receber mais pessoas em busca de refúgio e cuidados espirituais. Mas como os nossos planos quando são colocados ao serviço espiritual deixam de serem nossos, surgiu a oferta de compra de um pedaço de Mata Atlântica na Serra do Mar. Avenida Dona Benedita Franco da Veiga, 3201, Bairro Feital, à época um verdadeiro “fim de mundo”. Na divisa com Ribeirão Pires, onde não havia nada, senão floresta fechada. Um terreno montanhoso e encravado em pedras gigantescas. Aparentemente impossível de receber qualquer edificação. Mas os edificadores não eram deste plano humano, eram deuses. E assim, o “fim de mundo”, como muitos chamaram o pedaço de floresta recebeu seu primeiro morador. Pai Juvenal trouxe e assentou seu Tranca-Ruas, e para fazer-lhe companhia Pandora e Thor, seu casal de Rottweiler. Se desfizeram de todos os seus bens, instalaram uma barraca de camping em meio ao lamaçal, e o fusca, a única coisa que lhes sobrou. E ali estava o casal, chamado de “loucos” numa empreitada chamada de “impossível”.
Pedras gigantescas foram retiradas, porções de terra retiradas e uma floresta domada. Não demorou para o “fim de mundo” se transformasse no paraíso encravado na Serra.
Os primeiros filhos não tardaram a chegar. Os primeiros egbons também não. Os Orisás e os Encantados, felizes pela obra chamada de impossível derramaram todo o Asé para este templo sagrado.
Hoje a Roça Itaussu é uma das mais lindas e conceituadas Casas de Orisá do ABC e de São Paulo. Tem seu nome lembrado e reconhecido em todo o Brasil. É a mais rica e contundente prova de que, quando os Orisás decidem eles oferecem as condições necessárias e a força para que a empreitada seja concluída.
Aweto Zambi Katumendará.
Tata Zezinho França do Kabilah – Tawa-lawesi
MTb. 37.785-SP